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terça-feira, junho 09, 2020

E você conhece a Hora do Suicídio em Crato, meu Filho ? Conhece não, é ? - Dihelson Mendonça


Essa história ou estória eu ouvi contar várias vezes, viu? Como diz o cumpade Zé Lezin: num é "mentira" nem é "fricção". "Num é eu querendo me Gambá, mas moléstia à parte"...

Quem viveu no Crato nos anos 70, acompanhou o surgimento da TV a Cores, uma invenção do outro mundo pra época, e se poderia assistir ao programa do Sílvio Santos, sempre aos domingos. Mas é claro que era domingo, porque o Sílvio Santos só fez programas no dia de Domingo. E este especial dia da semana, era aquele dia da faxina geral na casa, do tempo em que se lavava o piso com uma mangueira de manhã, e passava a tarde encerando com cera Cachôpa. Quem tinha enceradeira ( esse era um utensílio muito chique da época ), usava. E quem não tinha, engrossava os braços de tanto esfregar o chão. Existia uma moda no Crato de um tal dum cimento vermelho que era uma coisa incrível. Só servia pra duas coisas, esconder mancha de sangue e escorregar em cima do tapete pra quebrar o braço.

Eu era criança nesse tempo ainda mais do que hoje, e me lembro de pessoas me chamando pra sentar num pano de chão, a fim de que as pessoas pudessem sair arrastando pela casa, com preguiça de passar o pano... Mas isso não tem absolutamente nada a ver com a história que eu vou contar agora pra vocês!

Pois bem, nos anos 70, os Domingos no Crato pareciam aquela coisa de Mexicanos em filme de Faroeste: O sol quente, com todo mundo dormindo. Pense num sol quente! Você passava ali na Rua Pedro II, e só via os pés pra cima do povo dentro das casas, das redes... dava até pra saber quem tava com as unhas compridas, parecia galinha em dia de matança. E tinha umas casas de gente assistindo o dia inteiro o programa de Sílvio Santos. Não tinha mais nada pra se fazer na cidade. Porcaria nenhuma.

Na Rua Almirante Alexandrino, pra quem morava lá na frente da oficina de Paulo Barbosa, olhava dali da Escola Francisco Zé de Brito ( Ali onde hoje o quartel da PM ), pro lado do Tabajara Hotel as 2 horas da tarde, você não via uma alma na rua. Nem viva e nem Morta. Só dava pra ver o mormaço quente do asfalto subindo...Só um ônibus da viação Varzealegrense ou da Rio Negro passava de vez em quando, porque a agência, pra quem se lembra, era ali na Rua Nelson Alencar. E a coisa só ia piorando...piorando... E tome tristeza, até que de noite essa solidão, esse desamparo e até essa mortidão já ficava insuportável.

A morgação era tanta, que se espahou um boato de que Antonio Vicelmo da "Rádia" Educadora tinha dito que no Dia de Domingo em Crato, às 6 horas da tarde era a hora do suicídio, porque dava um desespero tão grande na gente, em saber que o Domingo foi um dia que não existiu no calendário, e saber que já tinha de dormir cedo pra se acordar pro trabalho no dia seguinte.

Mas, apesar dessa tristeza que existia, tinha também alegrias nos anos 70. E para muitos, essa "morgação" também era um sinal de PAZ, de estar de bem com a vida, pois o mundo era um lugar mais tranquilo de se viver, e guerra era coisa lá do "estrangeiro", que a gente só ouvia falar na BBC de Londres, nas ondas curtas do Rádio, ou numa raríssima transmissão de TV via satélite, que naquela época, era a coisa mais cara que poderia existir. A coisa era tão de um jeito, meu filho, que quando alguém recebia um telefonema do Rio de Janeiro, o Crato todo ficava sabendo e o sujeito virava celebridade. Ééeééé.....

Quem não se lembra da Farmácia PASTEUR, que muita gente entrava lá só pra se pesar ? Confesse, meu filho que você já entrou pra se pesar lá. A balança da Pasteur era uma atração na cidade, assim como as fontes luminosas e tomar um sorvete lá no Bantim. Quem não se lembra do Bar Social, do Itaytera Clube ( que eu soube agora que está exposto à venda por 1 milhão e 500 pra quem quiser ). Quem não se lembra do Grande Hotel, do Redondo, e de tantas coisas maravilhosas que hoje o Crato não tem mais !

De qualquer forma, ainda que no Domingo, 18:00 continue sendo no Crato, a Hora do Suicídio, eu dou graças a Deus por ter vivido em uma época em que não havia essa violência de hoje, não tínhamos essas tecnologias, essa modernidade, internet, mas de certo modo, como diz a música, todos éramos felizes e não sabíamos. Como diria o véio Odorico Paraguaçu, "Talqualmente a hoje".

É hora de notícia, Cariri !

Por: Dihelson Mendonça
 

Na Foto: Dedicado a Antonio Vicelmo, um dos meus grandes amigos e inspiradores, que nos bons tempos da Rádio Educadora, apresentava o "Show de Besteira" no sábado, programa excelente, que infelizmente não existe mais porque agora a Rádio é mais de "reza". Mas seria muito bom se esse programa voltasse.

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