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quarta-feira, agosto 31, 2016

“O ÓBVIO QUE NINGUÉM VÊ” - Por: Dihelson Mendonça


Muito se tem falado sobre a decadência cultural dos nossos dias, mas poucos tem observado que o seu reflexo na nossa sociedade está intimamente relacionado a uma causa comum.

Afinal de contas, ao ouvinte mais desatento, o que pode haver em comum entre o outdoor da mocinha alegre, entornando uma garrafa de cachaça, o sexo desenfreado e banalizado pelos jovens nas grandes festas de curral, as letras quase pornográficas das bandas de forró, e os carros com som elevado que diariamente nos atormentam, quase a destruir nossos tímpanos, sem qualquer respeito pelas pessoas em pleno dia de domingo ? Ao final desse texto, creio que o caro ouvinte terá pelo menos uma vaga idéia do que une tão fortemente coisas aparentemente desconexas. Sabe-se desde o início da humanidade, que as coisas mais simples são mais digestíveis do que as complexas. Uma notícia dita de forma banal, uma música construída de forma simples, banal, ou uma pintura simples, atinge uma parcela maior de entendimento.

A cultura de um povo é estratificada. Na grande base, a maioria das pessoas, com pouco acesso ao conhecimento cultural, sem acesso a oportunidades, sem acesso a quase nada. Pessoas essas, que geralmente formam a grande massa de manobra dos políticos que os prefere mantê-los na ignorância, sem pensamento próprio, pois ao poder, não interessa pessoas muito conhecedoras. Há pouco investimento para que essa classe culturalmente baixa possa evoluir em qualquer sentido.

Mídia, por outro lado, é indústria!
Mídia é indústria que se mantém às custas da venda de idéias de fácil assimilação, que encontre grande empatia entre a população.

É notório que a massa não tem acesso às artes e à cultura. Desta forma, sem o exercício da criatividade, o povo tem preguiça mental para assimilar qualquer coisa mais elaborada. Aproveitando-se disto, grupos econômicos ligados à produção musical, de norte a sul deste país, tem assumido o papel de domesticador, tutor e se preferirem, EDUCADOR desse povo. Homens poderosos, alguns que conseguem miraculosamente manter até 50 estações de rádio em seu poder, além de canais de satélite, ditam através das suas ondas, os padrões de comportamento, gôsto musical e o próprio comportamento em sociedade. Esses coronéis, muitas vezes associados às bandas de forró, se perpetuam na obscuridade, à sombra do poder, aparentemente sem ser molestados pela classe política, que talvez os vejam como potenciais aliados, ou como testas-de-ferro.

Tem-se criado então, um círculo vicioso em razão do dinheiro, onde o nivelamento por baixo tem deixado a qualidade da nossa música e da cultura em geral, cada vez pior, a cada ano que passa.

Por isso que o caro ouvinte ouve estampados os sucessos, em letras banais como “na boquinha da garrafa”, “amor de rapariga”, “Eguinha pocotó”, “Eu quero é beber e raparigar” e assim por diante…

Aonde foram parar as nossas autoridades?
Aonde foi parar o nosso senso de moral e de decência?
Aonde foi parar a nossa vergonha-na-cara ???
Até quando teremos que, calados, assistir à derrocada social ?

Esta coisa, – que não é mais música -, é o que este cronista costuma chamar de “CAFUÇU MUSIC”, onde o pior do pior é valorizado, para atender aos gostos mais primitivos e rudes de um povo sem qualquer formação cultural. Afinal, quanto mais cultura e conhecimento se dá a um povo, mais este passa a ser conhecedor da sua história e do seu tempo; Passa a pensar, e a caminhar por meios próprios; Passa a começar a ter idéias mais evoluídas, usando o intelecto.

Infelizmente, essa indústria da mediocridade, explora essa grande falha educacional e cultural do país para ganhar dinheiro e se perpetuar. O “cartel” usa a mídia como instrumento de trabalho diário, e as casas de shows como sua base de sustentação, usando mão-de-obra ( músicos ) pobre, desqualificada, e mal paga. Quase escrava!

Se a coisa se mantivesse apenas num âmbito controlado, como antigamente, nos anos 70, com a música brega, onde ecoava num pequeno percentual da população, de cultura mediana, já não seria grande problema, pois havia ainda uma diversidade cultural, não existia um monopólio do controle ( cultural ) da mídia de forma tão ostensiva. Mas, com o passar dos anos, o cartel quer ganhar TODOS os espaços, abolindo a liberdade de escolhas, a diversidade, a pluralidade de estilos, e estabelecendo um monopólio próprio, praticamente ditando o que as pessoas devem considerar como “O sucesso”, “O modelo”, e principalmente, BLOQUEANDO qualquer espaço e tentativa de que outros estilos musicais possam ter acesso.

E assim, sem conhecer outros universos, igual ao homem de “O mito da caverna” de Platão, as novas gerações vão surgindo a cada ano, sem nunca conhecer o seu passado, a sua história. Sem conhecer os Ícones da música, como Luiz Gonzaga, Tom Jobim, Noel Rosa, ou porque não mencionar, um Villa-Lobos, assimilando apenas o “Pão e Circo” que lhes é dado diariamente, e vão contribuindo para aumentar o efeito bola-de-neve. Geração desinformada gera geração mais desinformada. Geração movida à bobagem, só pede mais bobagem. E a causa se transforma em efeito e o efeito em causa.
É como um cachorro mordendo o próprio rabo.
E gradativamente, os ícones do passado estão sendo esquecidos, quem sabe, daqui a duas gerações, eles possam eventualmente desaparecer completamente.

Haverá UM ESTILO apenas, o estilo ditado pelo monopólio, como já se configura hoje em dia nas estações de rádio, em que muitas vezes, uma mesma música toca simultaneamente em 3 estações diferentes.

É uma verdadeira prostituição musical ou cultural, a que estamos submetidos, e é por isso que muitos estão a fazer campanha para denunciar esse abuso, para mostrar simplesmente o “ÓBVIO QUE NINGUÉM VÊ”.

Se não tomarmos alguma providência no sentido de MOSTRAR que existem outros tipos de música e de arte à população, de dar a conhecer a diversidade, a nossa história e os trabalhos feitos com esmêro e qualidade, a cultura como a conhecemos, desaparecerá em uma década, e só vai existir apenas o monopólio frio de uma indústria perversa, calculada, que exalta a banalidade, reforça as piores qualidades humanas, que combatemos por milênios. Uma indústria vil, que prega a degradação do homem, incentiva o alcoolismo, sorri para a desagregação familiar, banaliza a mulher, enaltece a rebeldia, confunde-se com a ignorância e promove sobretudo, a mediocridade !!

Dihelson Mendonça
Cronista - Administrador do Blog do Crato
www.blogdocrato.com 


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