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quarta-feira, abril 28, 2010

Madrugada de Abril - Dihelson Mendonça

Dedicado a Roberto Jamacaru


Duas e trinta e oito. Canopus já brilhava alta no horizonte.
A passos lentos, uma sombra magra e tardia, range um ferrolho emperrado e poeirento
de um portão vazado e frio, de onde já se espreitam folhas insones e claras,
varridas pelo vento silencioso de uma madrugada de abril.

Um oceano do mais puro azul profundo ostenta safiras, esmeraldas e rubis piscantes
que se empalidecem ante a claridade de uma lua leitosa a boiar esplendorosamente
na imensidão celestial.
Tempo indefinido... levantando a fronte, contemplo aquele microcosmo aureolar
que define tantas verdades invisíveis quanto indivisíveis de seres de luzes tênues, quais pérolas orvalhadas, que descem e habitam almas ternas que mortificam-se em lençóis tão doces e vulneráveis...

Calhas de alumínio luminoso e cumeeiras íngremes arvoram-se em desenhar contornos que ofendem um sudário imáculo de um templo egípcio em ruínas. Uma ou outra ave perdida é avistada deslizando suas asas num jorro de leite cristalizado. E enquanto isso, Reis, príncipes e deusas desfilam para a tela da eternidade as suas glórias, em batalhas de linhas divisórias e imaginárias.

Mas, ante tudo isso, dormem os mortais!
Por sobre a terra, admirava-me a sombra de uma lua cada vez mais ocidental, que toda esparramada e nua pelos céus, esticava assuntosamente as pilastras de uma varanda de conversas longas, sussuros e sorrisos que já não há. Tarde é o tempo, e imprecisos todos os sentidos descritivos das lembranças que fulgem em crer na sua completude, nada é tão inverossímil, funesto e belo, diante do todo daquilo que apenas parece...

Poetas há que desfilam torrentes de gozo ante a via-láctea e suas vicissitudes.
Mas abraçado somente à pequenez de um instante no tempo,
sem que houvesse pobre alma mortal a companheira de verdades,
todo o universo convulsiona em beleza apenas para mim tão somente;
E como um demente, chego a crer por um breve instante, ante tanta perfeição, que posso ser um deus...
...em plena madrugada azul de Abril

Dihelson Mendonça

2 comentários:

Claude Bloc disse...

Texto belíssimo, Dihelson!

Abraço,

Claude

Dihelson Mendonça disse...

Minha querida Claude,

Elogio maior não há para mim do que a sua aprovação, pois tenho seus escritos no mais alto padrão poético. Ou seja, vindo de você, isso é um grande incentivo a que eu tente continuar.

Para você e Socorro, escrever poemas é como tomar um copo d´água, ou eu tocar o piano. Para mim é um pouco complicado, porque a poesia existe em mim, mas a materialização da coisa em forma de texto é assustadora. Eu brigo com as palavras, elas ainda não são minhas amigas como é natural para vocês, mas tudo é uma questão de praticar também, de dedicação.

Não é todo poema desses poetas modernos que eu tiraria o chapéu não, e tenho muito medo de escrever banalidades. Então, procuro lapidar a forma, a linguagem, tentanto mesmo a duras penas, não perder o sentido original, o sentimento. Como sempre a Arte é ingrata, pois é uma mistura de técnica ao Talento. Quando eu acerto um pouco, já dou graças a Deus, pois é mais por inspiração do que por transpiração, rs rs

Abraços,

Dihelson Mendonça