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sexta-feira, agosto 28, 2009

O Natal de um Poeta Louco - Por: Dihelson Mendonça


O Natal de um Poeta Louco - Por: Dihelson Mendonça

[ Dedicado a Wilson Bernardo ]

Pediram-me para dizer algumas palavras belas sobre o natal...
Que posso eu dizer de belo diante de tantos milagres literários traçados por meus compatriotas?
Posso eu acrescentar algo de novo que alguém muito mais genial já não o tenha dito de forma infinitamente e inescrupulosamente superior ? Que fábula poderia eu ainda inventar para tentar mascarar a profunda dor que esses dias finais de ano me trazem ?
Serei assim tão máquina a ponto de não saber desejar um mísero Feliz Natal a alguém ?

Não serão pinheiros natalinos cheios de bolinhas vermelhas, nem a visão de um velho maluco vestido de rubro ( e que nunca nos traz presentes ), que irão aquecer este velho coração desencorajado por tantas incertezas!

Mas pediram-me para ser alegre no discurso!
Pediram-me para falar de esperanças. De dias melhores, de um mundo melhor.

Penso em quantos sonhos malfadados ainda terão que ser massacrados pela dor da realidade e por homens tão mesquinhos. Projetos que salvariam vidas, que curariam doenças, que trariam a verdadeira paz para a humanidade, que mudariam incrivelmente a paisagem do planeta. Meu sorriso de canto de boca já começava a se abrir, e logo penso nas criancinhas que deus esqueceu lá na África, sem presentes e sem comida. E Penso na possibilidade de um deus que necessita ser constantemente adorado e louvado pelos séculos dos séculos sem nunca saciar a sua própria fome de adoração.

Mas pediram-me para ser alegre!

Daí penso nas infinitas possibilidades daqueles que tendo a crença mais profunda, jazem hoje em largas covas a poluir os cemitérios. Nada há que ressucite o homem que não o próprio homem. E nem que prive o ser pensante de uma morte inexorável e sobretudo, lenta. Falam-me de justiça. Esta me é falha em todos os sentidos. Olho para a rua e vejo crianças a apedrejarem um gato até a morte. Reflexos de uma infância feliz e memorável de ensinamentos. Justiça divina: E vejo homens bons sendo torturados por atrozes catástrofes, e os maus cavalgando na sua leviandade. Reverenciam um suposto homem que supostamente teria sido um suposto deus que supostamente se materializou em forma humana para redimir toda a raça humana de supostos crimes supostamente considerados divinos e que supostamente ressucitou e os salvou.

Acreditam em um pai torturador que estabelece 10 coisas que se você não as fizer, ele te joga em um poço de fogo e enxofre onde haverá choro e ranger de dentes, para os séculos dos séculos, para ser torturado, queimado, destruído eternamente se não se dobrar aos seus joelhos...MAS ELE TE AMA! Ele te ama e precisa do teu dinheiro: homens nomearam-se para recolher os tesouros de deus com cartão de crédito, data do vencimento e contas bancárias para o reino dos céus! Mas é Natal - tempo de Dar e Receber !

Pediram-me para ser alegre!

Pediram-me também para falar das coisas belas da vida.
E eu falo do fim de ano, fim de existência, fim dos tempos.
Fim de tudo, tempo de ser hipócrita como nunca fui durante todo o ano, apertando a mão de quem não conheço, desejando feliz ano novo aos meus inimigos, e fingindo alegria nos olhos, quando meu coração chora convulsivamente durante as explosões de ano novo.

Menos um ano de vida!
Menos caminhos, menos horas deleitosas. Estraguei minha juventude e consumi a velhice em lágrimas de arrependimento. Sou mais mortal a cada ano que passa. Quem dera fosse um "João Grilo" ? Mas nesse ano morri também de todas as formas possíveis. E cada vez mais, ainda que involuntariamente, desejo ser o que sempre fui: O espectro do que sempre pensei ser. Pensando que sou quem não desejo ser, me consumo em um sonho que alimentou minha alma. Já nem sei quais são meus pensamentos diante de tantos outros que afloram à minha cabeça. Serão meus de fato ? Quantas cópias de mim tingem a minha consciência para aterrorizar-me neste canto de noite, neste canto de quarto minguante ? Antes fosse a mera imaginação a criar monstros de pedra. Mas agora, eles são todos meus e reais! Mas é Natal, posso pelo menos pedir que dinossauros não me atormentem...

Todo fim é triste, e o homem tem apenas o fim, nunca o comêço!
Vejo tantos quantos a dançar a dança das virtudes sobre uma tábua a 8000 metros acima do solo sem saber do abismo que os circunda. Loucura ? talvez não. A vida jaz nesses pequenos arroubos de loucura, para aqueles que são mentalmente sadios. Vivamos pois, na loucura de um sonho que nos embala, antes que acordemos. Antes que nos demos conta de que nossa viagem de carrossel chegou ao fim, já que muitos de nós não estarão a girar no mesmo carrossel no ano seguinte ( possivelmente eu também ), o que não significa absolutamente nada diante do todo.

Quão bom é ser alegre! Crer numa feliz existência após a morte. Tento me enganar com a mais ferrenha das crenças, mas meu coração já não é de um simples. Já não sou talvez digno de sentar-me à mesa dos meus semelhantes tão puros, e contemplar a face de deus frente a frente. Eu lhe ensinaria verdades que ele próprio desconhece! E assim, enquanto passa a turba louca, em meio a alegria insana, eu mero espectro a observar, como um vulcano prêso à lógica fria, sem alegrias, nem tristeza. Sem Natal e nem porvir. Pois tudo não é mais que uma mera ilusão que pintamos de verde, vermelho e de roupas belas para comemorar o drama de nossa própria loucura!

Mas, pediram-me que eu fosse alegre:
Feliz Loucura! Feliz Ano que Passou !

Dihelson Mendonça

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