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Alguém  aqui viveu nos anos 70 ? Creio que muita gente. E quem não se lembra quando a TV  chegou aos grotões do Brasil ? Eu tinha 4 anos de idade em 1970, e morava numa cidade pequenina do Ceará, chamada "Farias Brito". Por essa época, o maior comerciante  local, chamado Antonio Leandro, começou a vender aparelhos de TV.  Existiam lá basicamente dois modelos, o velho Colorado RQ, e o TV  PHILIPS Planar.
Meu pai, que sempre foi uma pessoa muito  entusiasmada pelas novas descobertas, comprou o segundo aparelho de TV  da cidade, sendo que o primeiro ( claro ) era do dono da loja. E enfim,  chegou o nosso philips planar em preto e branco ( colorida nem se falava  ). Acontece que naquele tempo, a televisão "pegava" com sistema de  repetidoras. Vinha por várias estações repetidoras desde  a cpital Fortaleza até a região do Cariri ( não é como hoje, que vem via satélite ). Existia então, uma  estação repetidora na Serra do Quincuncá, da antiga TV Ceará Canal 2, e  funcionando com gerador a óleo diesel, só era ligada à tardinha, e  desligada lá pelas 22 horas para poupar energia. Teve até um caso do último capítulo da  novela da TV TUPI, "A barba azul", em que faltou o óleo, e um comerciante local forneceu, o que ganhou a simpatia da população, claro!
Foi  através dessa TV, hoje rudimentar, que nós tivemos nossos primeiros  contatos com o mundo "civilizado". Seriados como "O Túnel do Tempo",  "Viagem ao fundo do mar", "terra de gigantes", e o clássico "Perdidos no  Espaço". Parece até que estou vendo a sala lá de casa, com 50 crianças  sentadas em qualquer lugar, assistindo Roy Rogers, Durango Kid,  Hospitalouco, A feiticeira. Por essa época também, chegaram as primeiras  geladeiras da era moderna, Consul, e o que não faltava na cidade, eram  placas de "Vende-se Din Din". Era moda, tinha gente que colocava uma  placa de "Din din" só pra dizer que tinha geladeira nova. Telefones na  cidade ainda não existiam ou eram muito poucos, o contato com o mundo  externo era feito via Rádio-Amador, que enviávamos recados, mensagens  para parentes mundo afora, além dos correios, que eram de altíssima  credibilidade. Ah! quando o carteiro passava, era uma festa na rua.
As  estradas que ligavam Farias Brito à cidade de Crato ( que era um aespécie de metrópole ), eram quase intrasitáveis no  inverno, carroçais, e haviam algumas maneiras de se vir ao  Crato, como pelo expresso "Rápido Crateús", ou pela "Viação varzealegrense", ou  ainda pelo misto de "Seu Orlando", que ficava estacionado na praça  principal. Quando alguém ficava doente e precisava de urgência, iam  acordar o Antonio Sales, que possuía um Jeep, era muito eficiente, e  atendia à cidade toda. Hoje Antonio Sales é proprietário de uma  beneficiadora de arroz aqui em Crato, ali na Rua dos Cariris. Uma  excelente pessoa. Aliás, quantas vezes eu não vim doente para o Crato  nesse bendito Jeep do Antonio Sales ? Lembro-me de uma vez, muito  criança, de colo, em que eu abri os olhos para o mundo. Primeiro foram  os sons. Alguém dizia: "Ele tá tornando!" outro comentava: "Ele vai se  acordar". O caso é que quando abri os olhos, haviam dezenas de pessoas  cercando a cama e me olhando. Uns diziam que eu tinha "dado uma agonia" (  desmaio ), e já outro dizia: "é melhor levar logo pro Crato". Foi  nessas idas e vindas ao Hospital São francisco de Assis, que acabei  conhecendo o Crato; Meus tios vieram morar ali na Cel. Luiz Teixeira, lá  no alto do seminário, de onde se via boa parte da cidade baixa.
Aqui  no Crato, o sistema de televisão no início dos anos 70 era também muito  semelhante. Existia uma torre repetidora ali no Alto do Seminário,  defronte ao seminário São José, que transmitia o Canal 10 ( TV verdes  Mares ) para toda a cidade.
Mas televisão era um negócio muito  caro para a classe pobre. Pobre sempre foi pobre, em qualquer lugar do  mundo. Para facilitar as coisas, os prefeitos das cidadezinhas como  Farias Brito, inventaram a tal da TV pública. Um aparelho de TV era  montado em cada praça da cidade. lembro-me ainda do dia em que estavam  montando a TV pública em Farias Brito, que ficava na esquina aonde hoje é  a prefeitura. Ali, o calçadão não existia, e as pessoas ficavam  assistindo da esquina da praça. Todo fim de tarde, um encarregado ia  abrir o cadeado da caixinha de metal que abrigava a TV das chuvas, abria  as duas portinholas e ligava a TV para o povão assistir as novelas. E  que novelas boas as daquela época: Tinha "A barba azul", com Eva Vilma e  Carlos Zara, que era sucesso, e tantas outras.
Na cidade, um dos  maiores divertimentos era quando chegava a época da política. Os  Fariasbritenses devem se lembrar das clássicas disputas entre Aurélio  Liberalino de Menezes, e Gabriel Bezerra de Morais ( Seu Bié ). Meu pai  era o encarregado da CAENE ( Companhia de Águas e Esgotos do Nordeste ),  que depois virou CAGECE, e minha mãe trabalhava na prefeitura de Farias  Brito na época do prefeito Bié ( Gabriel Bezerra de Morais ). Eu estudava no Grupo escolar Getúlio Vargas (  estadual ), e competíamos com o Colégio Municipal, porque quem estudava  no "estadual" tinha bem mais status que o "municipal". Meus tios ainda  estudavam no Ginásio Enoch Rodrigues, instituição de bastante respeito  na cidade.
Mas afinal, porque eu estou relatando todas essas coisas ?
Porque  ao ver esses folhetos aqui de propagandas de lojas como a Zenir,  Americanas, com computadores a preços populares, comecei a pensar cá com  meus botões: A história se repete : "Um computador para cada casa".  Vamos chegar em breve a um tempo em que haverá um computador ( e vários  ), para cada residência. Lembranças dos anos 70, em que dizíamos: Um dia  haverá uma TV em cada casa, e não tardou a acontecer. Estamos para o  computador hoje, como a TV estava para os anos 70. Só que a velocidade  com que a tecnologia se desenvolve hoje é estonteante. Um produto que se  compra hoje, daqui a 6 meses está obsoleto, enquanto naquela época, se  comprava uma geladeira por exemplo, para o resto da vida. Chama-se isto de "Síndrome da obsolescência" nos meios acadêmicos.
E aqui  eu paro para refletir se de fato, a tecnologia melhorou a nossa  qualidade de vida, pois mesmo quando não tínhamos toda essa  parafernália eletrônica em nossas residências, parece até que  éramos mais felizes, tocava-se na vida com os dedos, valorizava-se mais o  trabalho, a dignidade, havia um senso maior de responsabilidade, de  honestidade, de ganhar o pão com o suor do rosto, as famílias se  arrumavam e iam todos à missa aos domingos, e depois às festas da  cidade. As praças eram cheias de crianças brincando,  sorrindo, correndo, havia  música em toda parte, e o mundo era um lugar bem mais seguro de se  viver.
Bom, mas eu ia escrever sobre uma coisa, e acabei  escrevendo sobre várias outras coisas, tantas, que acho até que a  crônica acabou se tornando melhor. Mas eu não sou nenhum Emerson  Monteiro, ou Antonio Morais, sou apenas um reles  cronista dos minutos livres.  E por sinal, já vai começar o noticiário  da CNN, com as últimas do Japão...tempos modernos da TV via satélite digital...
Pensando bem, estou ficando  velho...sabe qual é a diferença entre você ter 15 anos e 45 ? Nenhuma. A  única diferença é que o tempo passou, e muita coisa boa ficou para trás.  Mas  resta-nos a lição de saber que em qualquer tempo da vida, podemos ser felizes com aquilo que temos,  já que a única coisa que verdadeiramente nos resta ao fim de tudo é a nossa  própria vida e muitas, muitas recordações. O resto são apenas vaidades diluídas na poeira do tempo... 
"Os nossos comerciais, por favor !"( dedicado a Flávio Cavalcanti - Rei da Televisão ) 
Por: Dihelson Mendonça