
Zeca     Preto era um desses clássicos caboclos nordestinos. 1:90m de puro     sangue e músculos. A natureza havia lhe conferido uma força     privilegiada, o que era reforçado ainda mais, pelo seu trabalho de  servente de    pedreiro, quando passava o dia carregando latas cheias de  concreto para    as construções, rendendo-lhe o carinhoso apelido de  "Jabobêu" por  parte   dos colegas. Além daquele famoso "rabo de galo"  lá no bar do Queléu,  onde   atualizava as prosas com os companheiros de  sinuca, Zeca também adorava  paquerar    as pequenas do vilarejo.
Chico  de Zébra, ao  contrário, era um Cearense baixinho, bigode aparado, fala  fina, metido  a valentão,   peixeira sempre na cintura, pois era um  exímio cortador  de cana. Em três   coisas Chico acreditava: em Jesus,  Maria Santíssima, e  na honra da família. Trajando sua   costumeira e   surrada bermuda  jeans, hoje sem cor, e um chapéu   remanescente dos  tempos em que largou  o trabalho de pescador lá em   Camocim, Chico  morava numa choupana, com  seus 2 filhos pequenos e claro,   a sua  formosa Antonieta, que embora  para os dias de hoje já andasse meio  decaída, já fora considerada a moça  mais bela de Cotergipe. Religioso,  aos domingos Chico levava a prole  a assistir às chorosas homilias do  vigário local,  quando retiravam do  armário as  suas chitas mais  imponentes.
Mas  há tempos, andava  acabrunhado o velho Chico. As  más  línguas do lugar  haviam chegado até   seus ouvidos, que Jabobêu  andava  dando em cima da  sua Antonieta, e  embora ele não tivesse a  menor prova da  veracidade dos  boatos, que  a cada dia se agigantavam  em Cotergipe, isso estava roubando as suas   noites de sono. Como medida  preventiva, Chico começou a  espalhar na   redondeza, a fama de ser bom  atirador de facas e que iria  partir a cara   do primeiro condenado que  paquerasse a sua "fiel" esposa.
Zeca,   folgado  como sempre,  não se deixava intimidar por esses ataques de   ciúmes, e lá do Bar do  Queléu, continuava com aquele olho de  urubu   esperando a vítima, pra  cima da mulher do Chico, até o dia em  que,   tomando umas pingas a  mais, começou a falar bobagens, e disse pra  todo   mundo:
"Antonieta  é que é mulher! Ainda vai ser  minha, num é   pra tá com um bestalhão  como aquele Chico de Zébra. Chico  além de Fela   da Puta, é Corno!" -  Foi aquele alvoroço na cidade. A  notícia se   espalhou como fogo em  mato de novembro, até chegar aos  ouvidos de  Chico,  que logicamente,  ficou indignado, e passava a noite   resmungando, apesar  dos muitos  chás de camomila e erva cidreira que Antonieta lhe   preparava. "-- Eu  vou  matar aquele desgraçado!", dizia. A mulher   ainda tentava  acalmá-lo:  "- Chico,  você num vá fazer uma besteira, homem de   Deus,  olha os teus 2 filhos  pequenos pra criar..."
Mas Chico   estava  se sentindo humilhado e  firmemente determinado a passar essa   estória a  limpo. Correu o boato  na cidade, de que iria matar Zeca   Preto, que  quando soube, caiu na  gargalhada, não ficando nem um pouco    intimidado. Zeca, na verdade, se  deliciava com as notícias vindas das    bandas do Chico, que garantiu tomar  satisfações.
Não suportando    mais aquela terrível situação, pois ao passar pelas ruas de  Cotergipe,  até as crianças já zombavam: -- Ali vai Chico de Zébra,  o  corno da  cidade!", Chico  decidiu que o Sábado à tarde seria o momento  ideal para  a execução de seu  plano macabro. Iria  se encontrar   finalmente com  Zeca  Preto no  bar do Queléu. "-- Quero  ver se aquele   vagabundo tem a  coragem de dizer na minha cara o que ele  anda dizendo   por aí, nas  costas..." resmungava.
No dia  programado, Chico  pegou a  sua  famosa peixeria, botou na cintura,  tomou umas bicadas e  saiu em   direção ao Bar do Queléu. Nem é necessário  dizer que metade  da cidade o   seguiu em povorosa. Crianças gritavam,  mulheres choravam,  e os homens   naquele alvoroço, diziam: "hoje vai ter  pau! hoje um dos  dois se  acaba ! Eita, Danou-se!"
Zéca Preto tava  ainda  conversando  dentro do bar,  quando olhou pela janela e viu a  multidão  vindo naquela  direção, e  alguém disse "Que diabo é aquilo,  Zéca ? O  povo endoidou ?  " "Não! deixa  estar! É o Chico que vem lavar a sua  honra de corno!"
Chico,  já com  cara de valentão, "pegando ar"  sob a gritaria do imenso público  que o  seguia, e aparentando uma   coragem até então inexistente em sua  vida, mesmo tendo  apenas quase  metade da  altura de Zéca Preto, chegou  defronte ao Bar do  Queléu e  gritou:
"Zéca Preto? Eu quero ver se tu é homem é agora!"
Fêz-se aquele silêncio no vilarejo.
"Eu quero é ver se tem homem nessa cidade!"
Zéca,     dentro do bar, tomou a última lapada de cana, acendeu um cigarro e   foi   calmamente  em direção à porta. Coçou a cabeça e disse:
"O que é que você quer, Chico ?"
"Eu     vim lavar minha honra!" "Eu soube que você andou dizendo por aí que   eu   sou Corno. Isso é verdade ? Quero ver se você tem coragem de dizer   que   eu sou corno na minha frente, aqui, pra todo mundo escutar. Quero ver  se  tu é macho mesmo é agora, Zéca Preto!"
Zéca   então, largou o   cigarro, e ficando na frente do Chico, inclinou o   enorme corpo negro, e  olhando bem nos olhos, disse com uma voz grave e   forte:
"Eu falei pra todo   mundo e digo agora na sua cara,   Chico: Você não só é o corno da cidade,   mas é também um Fela da Puta,   um viado e um baitola! E aquela sua  mulhezinha Marieta, ainda vai ser   minha. Agora abra a boca aí, e diga  ao menos um "piu" pra gente  se   acertar os ponteiro agora! o que é que  você veio fazer aqui mesmo ?" ( E    começou a dar murros na parede ).
Chico  de Zébra, então,   tremendo  como uma vara verde, e quase se mijando diante  daquele   vexame, com todo  mundo olhando e esperando qualquer reação,    pensou...pensou e  com uma voz cada vez mais fina, soltou finalmente   essa:
"ÊÊÊ...Ê.......Eu  num disse ? ... Eu num disse,  pessoal ?   Taí. Dei valor a você, Zéca  Preto! Pra mim homem tem que ser  macho   assim, que diz as coisa na lata,  na cara. Num é como essa ruma  de   falso, de baitola daqui de Cotergipe, que alevanta  falso de nóis pelas   costa !  Homem pra mim tem que dizê as coisa assim, na  cara. Agora eu tô por dentro que tu é macho mesmo! "  E fechando a boca,  saiu cabisbaixo e de fininho no meio da multidão.
Zeca   Preto, voltando para o bar, pegou um taco da sinuca,  e enquanto   passava o giz azul, deu uma "goipada". Queléu, o dono, então falou: "E   aí, Zeca, como é que tu sabia que ele ia se desmanchar daquele jeito ?"
Zeca   Preto fez uma cara de "amassa prego" com o cigarro no canto da boca, e   olhando por cima do taco com um olho fechado, apenas  resmungou de  lado:
"É porque nesse mundo, Queléu, até pra ser um bom corno como Chico, é preciso já nascer com talento!"
Por: Dihelson Mendonça