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terça-feira, setembro 14, 2010

O Eu que um dia fui feliz - Dedicado a Wilson Bernardo


"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. "

Alberto Caieiro

Quanta saudade tenho daquele tempo imemorial, em que eu saía para o mato com meu avô, em manhã nublada e de chuva, bem cedo, a caminho das roças de arroz e das caieiras de tijolos, passando por dentro das cercas de arame farpado, atravessando baixios, pisando em lama, barro, vendo as minhocas e imbuás remexendo a terra, enquanto a serra do Quincuncá era de pura beleza, com uma névoa que recobria o seu cume...

Embalado ao cheiro de cuscuz com feijão, torresmo, e uma carne assada, feito nas panelas de barro, molho de pimenta malagueta, cheiro esse que saía de cada chaminé das casas de taipa do caminho numa fumaça azulada; O Dicumê da roça, que parecia uma trilha sonora entrando pelo nariz adentro e combinava tão bem com a paisagem que explodia à nossa frente de puro verde.

Passávamos por debaixo dos pés de Oiticica, ladeando corredores de frondosas mangueiras. A terra tinha um manto de folhas secas amarelas e alaranjadas, e a areia ? a Areia milenar de tantas folhas já decompostas, tinha um cheiro acre, especial, que guardo até hoje em mim.

Atravessávamos o rio na canoa de "Seu beija", em tempos de enchentes. Ah! quem não viajou na canoa de "Beija" não aprendeu ainda o sentido da vida! A água entrava pelas frestas, e tínhamos medo daquilo afundar com todos nós. Um mêdo que, não obstante, refrigera a alma.

...Descendo as ladeiras, havia um Anum em cada estaca da estrada, acenando para os passantes com a sua cauda preta, e gritando o seu clássico bom agouro: Anum...Anum...Anum...

À noite, centenas de vagalumes pareciam competir com o claro amarelo, azul e verde dos candeeiros de querosene, e eu me deitava ao relento, com a cabeça encostada numa pedra, olhando por dentro dos arbustos e ouvia lá da varanda, as estórias dos velhos, com seus cachimbos, cigarros de palha e cafés quentes, enquanto o claro azul da lua proporcionava um espetáculo ímpar, ora saindo, ora entrando dentro das núvens, que formavam desenhos gigantescos na abóboda celestial.

"O véio Mané Pereira, Seu Manezão, Nêgo Zomin, Antonio Mendonça Leite"...cadê todos vocês ? Já sei. Estão naquela varanda ainda, nas noites do meu sertão, contando histórias, estórias. Amigos, um dia estarei novamente com vocês, nas mesmas noites enluaradas, e sendo novamente o "eu que um dia fui feliz". Se morresse amanhã, ainda assim morreria contente, porque tive uma vida...muito antes de me dar conta em tentar escolher a melhor de todas elas.

Dihelson Mendonça

( Memórias - Dedicado ao poeta Wilson Bernardo )

6 comentários:

Celyta disse...

Olá Dihelson!
Seu texto revela a sua "cearencidade"...a paixão pela terra dos Kariris, é exposta em cada pedaço de linha, como se fossem as batidas de seu coração a reger, no compasso certo, sem sair do tom...parabéns! Estou curtindo muito seu espaço.
Gostaria de saber se vc recebeu minha foto.
cheiros!

Dihelson Mendonça disse...

Oi, Celyta,

Obrigado por suas generosas considerações. Fico muito feliz que esse pequeno texto tenha provocado tanto sentimento em algumas pessoas, conforme demonstrado pelos Blogs em que tenho postado.

Estou pensando em começar a escrever as minhas memórias. Obrigado por visitar meu pequeno espaço por aqui. Venha sempre sempre!!!

Olha, não recebi a foto.
Envie para este e-mail:

blogdocrato@hotmail.com

Abração,

Dihelson Mendonça

Anônimo disse...

Gostaria de comentar sobre a grande pianista e compositora Branca Bilhar.
Escreví sobre ela no meu blog http://jorgecarvalhodemello.blogspot.com
Meu caro, vc tem alguma foto da Branca Bilhar?
Parabens pelo Blog e por todo seu maravilhoso trabalho.
Grande abraço, Jorge Mello.

Dihelson Mendonça disse...

Obrigado, Celyta e Jorge Mello.
Jorge, infelizmente, eu nao tenho nenhuma foto da Branca Bilhar. Quase não se sabe nada sobre essa grande musicista...

Abraços,

Dihelson Mendonça

Anônimo disse...

Caro amigo Dihelson.
Conseguí a foto de Branca Bilhar e a publiquei no meu blog, num artigo dedicado à ela.
veja em http://jorgecarvalhodemello.blogspot.com
Grande abraço, Jorge Mello.

Dihelson Mendonça disse...

Obrigado, Jorge Mello!

Vou dar uma olhada...

Valeu!

Dihelson Mendonça